Como a ciência torna tudo mais belo

    Muitas vezes quando falo que faço física ou que gosto de matemática, as pessoas tem a impressão de que tudo são fórmulas e contas, que isso se opõe a arte e que eu não posso ou não consigo apreciar a beleza de algo sem pensar naquelas fórmulas e contas da matemática e da física. As pessoas tem a ideia de que existe a arte, as humanas, as biológicas e as exatas, que elas são completamente diferentes, mas no fundo elas são todas a mesma coisa.

    Ver questões físicas e padrões matemáticos em obras, sejam em pinturas, filmes ou qualquer forma de expressão artística, não significa que eu deixei de apreciar a arte por dar uma "conotação exata" pra ela, mas significa que eu pude enxergar beleza nela de formas que podem ir além da estética ou da mensagem que o autor quis passar. Ver como as coisas são belas em diferentes níveis também é apreciar a beleza delas.


    Quando vemos uma árvore toda cheia de flores em meio a primavera, temos o impulso de acha-la bonita, mas também é belo a forma que ela ficou desse jeito, em como todas as cores, flores, cheiros e formatos foram resultado de milhões de anos de adaptação, em como suas células trabalham para formar algo tão belo e se modificam para chegar no que vemos, em como partes menores ainda estão trabalhando sem ter a menor noção de que fazem parte de uma célula que constitui essa bela árvore.

    Os animais como esquilos, pássaros e insetos que moram ou simplesmente visitam essa árvore contribuíram para que ela se tornasse o que ela é e nenhum deles teve a menor intenção disso, a árvore simplesmente ficou bela desse jeito justamente por atrair mais desses animais que ajudaram ela a se reproduzir e isso é lindo. Dessa mesma forma, o solo, o ar e o Sol proveem o que essa árvore precisa para sobreviver e essa relação intrínseca entre eles também é digna de ser apreciada.

    Esse Sol que ilumina a árvore permitindo que possamos vê-la é tão gigante e está tão longe que nós mal podemos conceber essa grandiosidade, ele é quase inteiramente feito de apenas os dois átomos mais simples e mesmo assim consegue permitir que coisas são complexas se desenvolvam e isso é belo. A beleza da árvore e do Sol estão conectadas de uma forma que não se pode apreciar uma sem apreciar a outra e, mesmo assim, o Sol é completamente ignorado quando pensamos na árvore.

    Pensando agora nos padrões que a árvore apresenta, desde suas cores até seu formato. O crescimento de seus galhos e flores acontece da mesma forma que o das demais árvores, porque todas seguem os mesmo princípios físicos. As coisas não são belas simplesmente por serem, ser bonito ou não para outras espécies foi essencial para a sobrevivência dos diferentes seres vivos, dessa forma é lindo ver como o que achamos belo pode ser replicado em outras coisas e também acharemos elas belas.

    O canto do passarinho que você pode tanto adorar ouvir, não é bonito por ser bonito. Ele teve que se tornar bonito. E é mais bonito ainda pensar que esse belo canto não apenas lhe agrada, mas também tem que agradar os demais pássaros e isso conecta diretamente sua percepção com a dessas aves, e isso é belo. 

    Não se limitando as coisas terrestres, planetas, estrelas, sistemas solares e galáxias seguem padrões parecidos e essa conexão que é criada pela natureza, não é apenas bela por si só, mas é o que permite que a própria ideia de beleza possa existir. Tudo que existe é constituído de apenas 17  partículas que só podem se relacionar umas com as outras de 4 formas diferentes, então, não apenas a árvore, assim como você que está apreciando ela, são resultados dessa pequena quantidade de interações que podem acontecer, o que torna essas próprias interações belas por si só.

    A beleza dessa árvore não pode ser diminuída por tudo isso, apenas aumentada ao notarmos como a beleza dela está conectada com a beleza de outras coisas e em como a própria conexão entre elas é bela. Dizer que colocar física, matemática ou até mesmo ciência de modo geral em algo é "tirar sua beleza", não significa que a beleza dessa coisa diminuí, mas sim que se algo pode perder sua beleza tão facilmente, então a beleza que está sendo apreciada é rasa e frágil.


Esse texto é muito bem representado pelo vídeo do Richard Feynman: Ode on a Flower

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